“De acordo com Ruy Belo, não sabem nada de casas os construtores, os senhorios, os procuradores. Não sabem, continua o poeta, que as casas nascem, vivem e morrem. Desconhecem, ainda, só as casas, mudas testemunhas da vida, explicarem a palavra intimidade.
Outro poeta maior, José Tolentino Mendonça, regista que as casas reais, não as escrituradas, percebem antes de nós que nos tornamos felizes. Percebem antes de nós, de igual modo, que nos tornamos infelizes.
Casas vazias não são casas. Casas abandonadas não são casas. Casas património não são casas. Casas investimento não são casas. Casas ativos não são casas. Casas em ruínas não são casas. Casas devolutas não são casas. Casas provisórias não são casas.
As casas apenas são casas enquanto tocas, covis, faróis, ninhos, ancoradouros, raízes.(…)
Nas casas autênticas, de carne e osso, a vida acontece em estado bruto, indomada, violenta, caótica, terna. A vida autêntica é a seiva das casas autênticas.
Nas casas autênticas os objetos não são coisas. Livros, discos, móveis, tapetes, candeeiros, quadros, brinquedos, molduras, jarras, porcelanas, recordações e prendas emancipam-se das primitivas funções de pura utilidade e tornam-se marcos geodésicos das horas e dos dias.
Nas casas autênticas as inquietações do mundo ficam à porta. As casas autênticas são o lugar do repouso, do descanso, do sono, da sesta. O lugar livre das tiranias do trabalho. O lugar dos jogos infantis. Das confidências do amor. Do churrasco no jardim. O lugar da festa.
As casas autênticas respiram na respiração de quem as habita. E apagam-se na partida de quem as abandona.
Dessas casas não sabem realmente nada os construtores, os senhorios e os procuradores.”
Autoria do Texto Manuel Castelo Branco, in Diário das Beiras
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